terça-feira, 8 de dezembro de 2009

SUTILEZA, SIGA SEU RUMO

Partilhar
Só não sendo sutil - como eu não sou – para pensar em escrever o “Tratado sobre a sutileza”. E foi o que aconteceu. Mas o próprio tema já seria uma contradição. O que é sutil, não se prolonga. Muito menos entedia.

A sutileza me atrai de forma impressionante: o que é sutil não precisa se explicar. Apenas é.

A sutileza é leve, simples. Mas apesar disso, ela me parece perene. Um poeta já disse que dificilmente se encontra uma coisa simples que não seja bela. É verdade [... ... ..]
E a verdade não precisa de muitas explicações, porque todas as circunstâncias demonstram a sua veracidade. A verdade não precisa de defesa. Porque sua melhor justificativa é o tempo. E o tempo é o senhor da razão.

A sutileza resiste ao tempo, até porque facilmente pode-se reportar a ela. Basta recordar: o que marca para sempre é sutil. Um cheiro cotidiano da infância; um sorriso de aprovação ou desaprovação de alguém querido; um barulho de porta abrindo ou chinela arrastando; uma frase solta de um filme qualquer, que marcou mais que todos os outros filmes juntos.

As maiores mentiras (as que parecem verdade) são sutis. Sabe quando queremos mentir e procuramos três ou quatro explicações para justificar um erro? Pois é. Trata-se de uma mentira mal contada. As mentiras que ficam são as mais simples, que imitam a verdade. Uma falta, um erro, uma omissão normalmente têm cada um uma só explicação. Mas bolamos duas ou três, para construir um cenário justificável.

Parece ainda que, no íntimo, gostamos de uma mentira bem contada. Tanto que tendemos a “florear” a verdade para que sejamos mais bem aceitos.

Ah, como eu gostaria de ser sutil. Não pra mentir melhor! Gostaria de não ter a necessidade premente e obsessiva de ser o mais claro e panfletário possível. Evitaria excessos, exageros e más compreensões de minhas expressões... Gostaria de não explicar a sutileza da xícara acima, fazendo com que você olhe de novo para ela agora e a compreenda. Gostaria de apagar este ponto de exclamação de minha testa.

A sutileza se eterniza. Mas ela tem a plena convicção de que não será compreendida por todos. Por mais que ela queira se detalhar, apenas um número restrito de mentes ou corações a compreenderão. Se ela não resistir à tentação de parecer óbvia – porque apesar de clara, ela não é óbvia - será esmagada pelas massas e punida com o mais severo castigo: ser confundida com a mentira.

Aliás, nenhuma massa é sutil. Por isso, normalmente as massas estão erradas.

Para compreender a sutileza, é preciso estar minimamente sintonizado com ela. Em regra, poucos estão. Poucos estiveram. Poucos estarão. É por isso que, pelo menos uma vez, você já se indignou com a insensibilidade de alguém diante do primeiro sorriso de uma criança ou do último de um idoso, da leveza de uma folha levada pelo vento ou do peso de um “eu te amo”.

Sutileza e sensibilidade não se separam.

Mas estou aprendendo: a sutileza não se indigna. Ela é suficientemente senhora de si, ao ponto de não precisar se arvorar de argumentos, como faz a estridência.

Ser estridente é o oposto de ser sutil. É como a diferença entre alguém que grita para não escutar o que o outro fala e alguém que não grita, justamente para ser escutado.

A sutileza não se incomoda com a estridência, mesmo esta a considerando uma inimiga. Segue seu o caminho. Mas está - como é de sua natureza - aberta aos sensíveis ou a quem se quedar em sê-lo. A sutileza tem um compromisso (não bitolado, mas o tem) com sua essência.

Poucos a entendem. Não estão preparados. Poucos a aceitam. Mas o papel fundamental da sutileza é continuar sendo sutil.

Sutileza, me ensine a fazer como você faria: não inventar apologias, como esta, sobre você.

Sutileza, me ensine a não fazer escrever coisas estridentes como as que acabei de registrar.

Sutileza, me ensine a compreender que ser sutil, para muitos, não é tão natural. Por isso te rejeitam: ainda não conseguem te compreender.

Sutileza, me ensine a não ser tão exclamativo"!"

Sutileza, como te quero.

Sutileza, não ceda.

Sutileza, siga seu rumo.

4 comentários:

Laryssa disse...

Gostei muito do texto, bem poético eu diria, mas acima de tudo bem sutil.

CLÁUDIO disse...

Caro amigo,
Para o meu próprio deleite, e apesar da morosidade própria com que o fiz, li os três últimos textos postados. São verdadeiras preciosidades literárias. Somente uma pessoa como você, com tantos talentos e uma criatividade indiscutível, poderia ser capaz de nos presentear com reflexões tão abençoadoras. Concordo que a vida não precisa ser uma corrida de cem metros, mas, só para acrescentar (e já me desculpo pela ousadia), mesmo que façamos dela uma maratona, ou ainda que abandonemos o perfeccionismo dos tratados, há sempre barreiras que são como as corridas – isto é, exigem de nós muito mais que a flexibilidade de uma maratona. Eu, pelo menos, tenho grande dificuldade com esses vários cem metros que perpassam a experiência humana. Fazendo uma outra analogia, é como se a vida fosse uma guerra composta, por óbvio, de muitas batalhas. E numa guerra, assim como nas maratonas, existem momentos lúdicos, jocosos, festivos etc. Contudo, numa batalha, tanto quanto nas corridas de cem metros, não nos resta tempo para essas frivolidades. Nelas (batalhas), ou somos senhores do tempo e agimos com sagacidade ou a oportunidade nos escapa como uma fagulha. Trata-se, portanto, como você mesmo sabiamente já me falou, de uma questão de equilíbrio. Façamos da vida, então, uma maratona, mas não nos esqueçamos de que, até mesmo para que não fiquemos pelo caminho, é preciso que, por vezes, ajamos tal e qual os corredores de cem metros. Quanto ao tratado sobre a sutileza, embora já tivéssemos parlamentado sobre o assunto antes mesmo da postagem, confesso que tive dificuldade para entender uma ou outra citação (nem todo mundo tem sua capacidade, né!), mas, ao final, posso dizer, assim como algo sutil, de um texto profundo que não perdeu a leveza – ENGENHOSIDADE PRÓPRIA DOS GRANDES HOMENS QUE HABITARAM A TERRA! Você vai longe!!!

Wendel Cavalcante disse...

"A sutileza tem um compromisso (não bitolado, mas o tem) com sua essência".

Vendo sua frase, lembrei-me de um poeta afegão, Djelal und-Din Rumi(1207-1273), que sempre cito nas minhas aulas de História da Igreja (Idade Média), onde ele nos desafia com uma pergunta, no final de um de seus poemas: "Quem somos nós nesse mundo complicado?"
Sutil,estridente ou exclamativo?
É aqui que aprendemos com Raboni, quando Ele diz "Ide", que no sentido lato inclui: "Seja você mesmo"!
Parabéns pelo Texto!
Abração!

Tatiejt disse...

Amo-te.

Por Edilson de Holanda