ALL IS ON, MAS HOJE É PRECISO CHORAR

Partilhar

*Postagem com vídeo. Clique em "Mais informações"*

Acho que ninguém merece morrer. Mas algumas pessoas, por vários motivos, deixam ainda mais saudade e um sentimento inconformado que palpita perguntando: por quê? Allison Ambrósio é uma delas.

O jovem que há vinte anos procurava apartamento para comprar no prédio em que moro, e que cativou ao me entregar de presente um disco seu, quando eu tinha dez anos de idade, presente de uma gincana de escola dominical. O simples “puxador de fio” na igreja Betesda sede em Fortaleza, que espantou a comunidade com seu extraordinário talento musical [... ... ...]

O cantor por quem torci, mesmo pequeno, quando ele foi finalista do “Festival Canta Nordeste”. Que se tornou mais que líder, um maestro de louvor congregacional. Que cresci vendo cantar, pregar, compor, de quem extraí os mais relevantes conceitos de música cristã. Que foi pastor-presidente da denominação no Ceará por mais de uma década.


Que homenageamos (adolescentes de Betesda sede) em um de seus aniversários, em que fiz a paródia “Na concha do Negão”, parafraseando uma de suas canções:“Faço menção de ti”.Um homem de personalidade magnética, de um carisma único, de um sorriso irresistível, de uma presença impossível de não ser notada.

Que era o centro das atenções em todas as rodas em que sentava. Não porque recebera o título “pastor”, mas porque todos sabiam que logo brotaria um sorriso coletivo, fruto de uma piada bem contada ou de uma poesia em forma de conselho, de confissão ou de música.

Alguém que, antes de “pastor”, “senhor”, “doutor” ou qualquer outro pronome ou título, era Allison. E é isso o que importa e fica: a pessoa Allison.

Uma amante da Bíblia, que muitas vezes comparei a Davi – não só porque o salmista era muito citado em seus sermões, mas porque ambos tinham uma admirável intimidade com Deus, uma sensibilidade reservada aos gênios e um talento musical aparentemente inesgotável e consagrado ao seu Deus.

Um homem de vasta cultura, que não se limitava à aldeia “gospel”, mas que marcou minha vida com poucas e simples palavras, em um momento decisivo: o início do namoro com a mulher a quem amo. Naquele dia, saí daquele gabinete dizendo: ali está um sábio.

O intérprete que não se poupava: se doava e corpo e alma a cada nota. O compositor que reputo ser um dos mais brilhantes da música brasileira. O poeta inspirado e doce, que recitava com naturalidade as coisas simples e profundas da vida.

O escritor de livros, tão infantis quanto adultos, que tinha a maestria de, já adulto, escrever para crianças como se fosse uma delas. O ator que surpreendia a platéias com encenações corajosas para a reputação de um pastor. O produtor, roteirista e narrador de propagandas, musicais, cantatas, shows, em que muitas vezes levava muito do tudo nas costas.

E que me perdoem os demais músicos, mas uma das coisas que mais amava em meus tempos de Betesda era me aconchegar cedo em um banco nos cultos de quartas e sextas-feiras, esperar e apreciar o Allison chegar, ligar seu teclado e realizar o louvor sozinho.

Para mim, não havia momentos de melhor ministração, inspiração e demonstração de talento. Tudo improvisado, mas com uma leveza e profundidade que jamais poderiam ser ensaiados. Coisas que só aqueles que marcam a história podem fazer. E fazem.

Um homem escolhido por Deus para demonstrar ao mundo que Ele é capaz de dotar alguns seres humanos de qualidades advindas dEle, que ajudam a explicar como alguém pode marcar a história como ele marcou.E não apenas a multiplicidade de dons e talentos fez dele quem ele é.

Mas o que Allison foi capaz de fazer com o que recebeu de Deus. Seguindo o exemplo de Cristo, foi dotado de qualidades suficientes para fazerem dele um homem ainda mais reconhecido e homenageado. Não tenho a menor dúvida de que, caso fosse sua prioridade numero um, não haveria na música cristã brasileira compositor mais laureado, celebrado, premiado e citado.

Tentando secar as lágrimas quentes e buscando crer que o “adeus” que hoje damos é na verdade um “até logo”, encontro em um olhar sociológico a certeza de que a história está definitivamente marcada pela vida e obra de Allison Ambrósio. De décadas em décadas são enviados ao mundo criaturas de sua estirpe, pedras preciosas de tão elevado valor.

Mas todo o seu talento estava à disposição de uma outra causa, que não era egoisticamente dele: o Reino de Deus. Allison não enterrou seus talentos, não se locupletou sobre os dons que recebera e os devolveu a quem o havia dado: seu Senhor. E dedicou seus melhores dias em prol de lutas por vezes inglórias: aquelas que cercam a vida de um pastor.

Mas estou em certo de que ele sabia disso. E que também sabia que a coroa do verdadeiro servo de Cristo não é dada nesta limitada vida terrena, mas naquela vida que nestes dias ele começou a experimentar: a eterna. Meu provável inútil esforço aqui seja, talvez, tentar descrever algumas pedras da coroa que repousará sobre a cabeça de seu corpo quando glorificado.

Um homem que, apesar de todas as funções carregadas por seus ombros, jamais negligenciou a família. E como era lindo e inspirador vê-lo falando, com brilho nos olhos, de sua esposa e se referindo a seus filhos. Quantas músicas esse amor rendeu. Quantos deleites coletivos essas composições promoveram...

A dura realidade de que não detemos o domínio de absolutamente nada nesta vida, inclusive nossa própria vida, me fazem, não por querer ser deus, mas por pura dor, perguntar: “Por que, se podemos vislumbrar o quanto ele ainda poderia fazer pelo mundo, pela igreja e pelos que ainda não conhecem a Cristo?”.

Além de outras constatações ainda mais dolorosas, que faço questão de não registrar... “Por quê?”. Terá Deus o propósito de trazer para si alguns santos de maneira prematura, por muito amá-los, premiando-os com a glória e poupando-os dos sofrimentos com que a vida terrena nos maltrata? Sinceramente, não sei. Pelo menos nessas horas, gostaria de saber...

Certo dia, sentado com ele, tomando um chá gelado em seu gabinete, tive a oportunidade de dizer “Cara, você compõe demais”. E perguntado, respondi que a minha canção predileta, dentre as suas, era “Porque és Senhor” (vídeo acima). É a mais linda e completa expressão de louvor a Deus em forma de música que já vi.

Mas, infelizmente, nenhuma palavra ou frase de efeito elucidarão a multidão de reflexões que sua partida traz à alma, nem mesmo trarão de volta aquele destilar gratuito de talento ou aquele jeito só dele de declamar poesias ou anunciar a mais nova linda música composta naquele mesmo dia, em um engarrafamento qualquer, indo pegar seus meninos no colégio...

Para a família, amigos próximos e admiradores, fica a sangria desatinada a correr por dentro do peito. Para a igreja, fica um vazio do tamanho do expoente que se foi. Para o mundo, fica a marca indelével da vida e obra de um gênio. Allison fica. Fica o legado. E fica tanta coisa mais...

Mas, após as lágrimas secarem, veremos que não há nada melhor para ele do que ficar onde está: nos braços do Pai.

ALL (TUDO) IS (ESTÁ) ON (EM CIMA).