segunda-feira, 14 de maio de 2007

LEMBRANÇAS DE UM TEMPO QUE NÃO VIVI

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Assisti a um show de Belchior, cantor e compositor cearense, cujo auge da carreira se deu nas décadas de setenta e oitenta passadas. Não obstante a distância temporal que nos separa daqueles dias (tempos áureos e, ao mesmo tempo tenebrosos da vida política brasileira), deparei-me, na Concha Acústica da Universidade Federal do Ceará, com uma multidão. Jovens como eu, de “vinte e poucos anos” (que clichê!), urbanos, sobreviventes da miséria social a que estamos entregues e reféns da pobreza musical galopante desde os anos noventa [... ... ...] Mas o que fazia eu na apresentação de um cantor de aparência nada condizente com o padrão global, cuja ritmação musical foge às baladas repetitivas e monossilábicas que ouvimos por imposição dos motoristas de ônibus e alternativos de minha capital, e cujas letras nem mesmo meus pais sabem dominam, por serem talvez desconformes, estranhas? Que força tem essa música, capaz de atrair imberbes expectadores, conhecedores do tempo nela retratado apenas em razão dos livros de História?

Conheci Belchior através de uma velha fita cassete jogada fora por um dos moradores do prédio onde moro. Sorte minha era ainda possuir um “som três em um”! Encontrei-a como em meio a escombros de um tempo passado, presente, vivido, entre o sonho e o som. A razão de meu encantamento imediato com o poeta foi a fiel retratação de uma época que não vivi, em que não era sequer um projeto na mente de meus pais, mais pela qual me apaixonei.

Não que deseje que sobre nós se agigante uma nova ditadura, muito menos militar. Nem me comprometo nessas linhas com um ou outro movimento social organizado. Mas há algo naquelas décadas que não encontro hoje em minha geração. É essa ausência, amigo, a razão da superlotação daquele anfiteatro. Um incômodo velado que sentimos e que não sabemos expressar, sobre essa coisa sem jeito que eu trago no peito, e que eu acho tão bom.

Os ativistas que se opuseram à ditadura, assim o fizeram porque foram cerceados em suas liberdades pelo duro regime, e assim tinham pelo que lutar, contra quem lutar. Pulsava em seus peitos o ímpeto de mudança. E nós? O muro caiu em Berlim e Marx tornou-se progressivamente uma utopia para uma sociedade global vocacionada para o Capital. Quanto a Lula, esperança reluzente de nosso horizonte político, tornou-se uma realidade. Dura, cruel e “pleonasmicamente” real. Pontuo aqui que esta é uma análise que, por óbvio, não pretende exaurir os ricos detalhes da História recente.

Somos livres hoje para expressar nossos gemidos sociais, conquistamos (ou conquistaram para nós) a Constituição Cidadã da liberdade e o sinal não está mais fechado pra nós, que somos jovens. Mas não falamos, não pensamos, não sabemos pelo que lutar, não demonstramos forças ao menos para contraditar e agora que o sinal abriu, não sabemos por onde guiar o bonde da história. Eu sei, “poeta de bigode”, que não estou interessado em nenhuma teoria, em nenhuma fantasia nem no algo mais, nem em tinta pro meu rosto, oba-oba ou belo dia pra acompanhar bocejos, sonhos matinais. Você mesmo repetiu que amar e mudar as coisas me interessa mais. Mas a multidão, do Anfiteatro da Universidade e da Concha Acústica da Vida, sabe que nossos ídolos ainda são os mesmos, que ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais. E faz coro: “mudar o quê, amar o quê?”.

O alerta, se estivermos atentos, já foi dado pelo Mestre Supremo: “nos últimos dias, o amor de muitos esfriará”. Pondero: não comparo esta época àquela de forma maniqueísta. Mas, ainda que perturbado pela razão cartesiana, confesso ter saudades. Tenho saudades de um tempo inocente, quando havia galos, noites e quintais, em que havia um desespero era que era moda em setenta e três. Tenho saudade da época em que ainda acreditávamos ser o país do futuro. O futuro chegou e o Brasil parece obsoleto. Olhamos para o passado, em busca da beira do caminho no qual caímos. Talvez por um esforço hercúleo nos encontremos em alguma estrada empoeirada e esburacada. E nos veremos pobres, cegos, nus e à espera de que a última pérola da coroa de D. Pedro seja vendida.

Ver-nos-emos miseráveis e lazarentos, mas eufóricos, como festeja a grande mídia e nossa cúpula política. Afinal, neste final de semana assistiremos às finais de vários campeonatos. E queremos saber se o Roger está ou não de namoro firme com a Débora Secco. Que anestesia! Aplicada em nós de forma que esquecemos que país é este.

Mas não continuemos a divagar desta maneira em busca de uma solução “sociológica”. Nosso último presidente era um respeitado sociólogo, mas dizem que ele deu a dica: “esqueçam tudo o que eu escrevi”. Já o atual, como não escreveu lá muita coisa até hoje (não me diga que ele foi um renomado constituinte), não me surpreenderá se qualquer dia desses bradar: “esqueçam tudo o que eu falei”. Meu Deus, os dois são figuras ilustres dos tempos de Belchior! Muito de escreveu à época de Belchior. Muito se lutou à época de Belchior. Tenho saudades daquele tempo. E fico por aqui. Vida, vento, vela, leva-me daqui.

5 comentários:

Anônimo disse...

Estive contigo nesse show e fico muito feliz em saber que não sou o único a desconfiar das multidões. Efetivamente, como barcos à deriva, vivemos à espera de que nos guiem a algum lugar. Minha maior preocupação, no entanto, não é a sensação de ser guiado, mas a triste percepção daquilo que nos guia. É que as nossas vidas já não encontram a identidade que imprimiram a marca de outras gerações, de modo que somos levados pelas circunstâncias, sem sonhos a realizar ou valores a nos direcionar os atos. Talvez essa seja a saudade de que vc fala. Prefiro, em verdade, denominá-la de "vazio", pq não vejo outra palavra que melhor expresse a superficialidade a que nos entregamos. Tenho a sensação de que mais e mais estamos a viver na caverna, porém hj já não se nos apresentam sequer as sombras, as imagens imperfeitas do que realmente são as coisas. E isso porque, pelo relativismo irresponsável a que consagramos o nosso tempo, somente nos restaram as fôrmas. Elas continuam a produzir levas e mais levas de seres humanos, os quais, no entanto, não se reconhecem senão pela forma. Parece, enfim, que encontramos a igualdade! Somos todos formas humanas. Mas de que valem as formas sem o conteúdo?!

Anônimo disse...

Ah, esqueci de dizer: não sou um cético, e vc sabe disso! O conteúdo sempre estará à nossa disposição... talvez entre simões e cristos possamos nos reencontrar e restabelecer nossos valores!!! Valeu, meu amigão!!!

Yure Tavares disse...

*B*R*I*L*H*A*

Edilson de Holanda disse...

Ante as palavras acima, só tenho que enfatizar o brilhantismo de alguns seres iluminados que me rodeiam!!!

Abraços!

Unknown disse...

Eu li o que o Pr.Gondim escreveu e entendí de outra maneira:ele não diz que DEUS não conhece o futuro, ele diz que Deus não conhece o futuro de cada pessoa ou seja, se ele me deu o livre arbítrio eu e somente eu posso preparar o meu futuro.Essa teoria vem responder muitas perguntas que faço a mim mesma faz tempo:se DEUS SABIA QUE ADÃO E EVA NÃO IAM LHE OBEDECER POR QUE ELE OS CRIOU? alguém em uma comunidade do orkut falou que o seu (dele) livre arbítrio era gerenciado por Deus:então não é livre.Eu acho que é por ser mais cômodo não criar polêmicas que a maoiria dos pregadores preferem culpar DEUS por tudo que acontece.Quanto às profecias são coisas criadasno presente(da época) por DEUS PARA ACONTECER NO FUTURO NÃO SÃO ADVINHAÇOÕES, as progfecias não se referem ao que vai acontecer comigo como pessoa, dona da minha vida,com livre arbítrio dado por DEUS por amor, pois quem ama não escravisa.

Por Edilson de Holanda