sexta-feira, 13 de novembro de 2009

USAIN BOLT, O CRISTIANISMO E EU

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Usain Bolt é o maior fenômeno do atletismo mundial. Quiçá, da história deste esporte. Os últimos eventos que o jamaicano disputou foram verdadeiras exibições. Em modalidades feitas de detalhes (100 e 200 metros rasos), desde a condição psicológica do atleta naquele exato momento, até o reflexo ao ouvir o tiro de partida, passando pelo impulso de se erguer e começar a ganhar velocidade, passando pela respiração correta e pelas passadas firmes e largas, pelo movimento dos braços, pela postura do tronco, decisivos até que se rompa a linha final, Bolt demonstra uma superioridade que o faz reduzir a velocidade no final da prova e ainda chegar bem à frente dos outros [... ... ...]

Impressionante. Por esses dias, cientistas estudavam a compleição física de Usain, procurando respostas para tal desempenho. É de arrepiar qualquer um que imagine o quanto uma diferença assim para os concorrentes é quase impossível de se alcançar, tratando-se de um esporte individual. 

Admirado com “o homem-flecha”, lembrei-me do texto de Hebreus 12:1-2, em que Paulo compara a vida cristã a uma corrida (“corramos com perseverança a carreira que nos está proposta”). E fiquei sinceramente preocupado comigo, pois se ser cristão é como ser um corredor, Usain Bolt seria “o modelo”! E estou bem distante disso.

Ou seja: muitas vezes, “não me sinto em condições psicológicas de continuar a carreira cristã” e paro por algum tempo na beira da pista; em inúmeros momentos não me vejo veloz em atender à voz de Jesus quando ele me exorta; não me sinto dando espetaculares passadas rumo ao caráter ideal; não tenho mantido meu “tronco espiritual” devidamente ereto, pois algumas vezes minha postura me envergonha e meu semblante desfalece e, por fim, enquanto Paulo me exorta: “deixemos todo embaraço e o pecado que de tão perto nos rodeia”, de vez em quando me sinto bem embaraçado pelo pecado! E aí me pergunto: com esse desempenho, será que já não perdi a corrida? 

Embora tenha ouvido muitas reflexões sobre o texto citado e a relação corrida-cristianismo, nunca havia imaginado que tipo de corrida seria esta. Então compreendi, para o meu alívio, que Paulo não estava se referindo a uma corrida de cem metros, especialidade de Usain Bolt (até porque naquela época nem havia essa modalidade), mas a uma maratona. Percebeu a enorme diferença? 

A maratona, que nasceu na Grécia Antiga, é um tipo de corrida completamente diferente daquelas que Usain Bolt disputa (e vence!). São 42 km para se percorrer. Na largada dos cem metros, são apenas 8 competidores. Na maratona, são milhares. Na corrida de cem metros, o competidor segue em terreno plano e em linha reta, tendo inclusive duas linhas que limitam seus movimentos.

Na maratona, corre-se em ruas abertas, estreitas e largas, planas e esburacadas, em subidas e descidas. Nos cem metros, a torcida se coloca ao longe, nas arquibancadas. Na maratona, ela fica à beira da pista. De vez em quando, pode até surgir um ex-padre irlandês para quebrar o ritmo de um corredor! Os cem metros são completos em no máximo dez segundos. A maratona, em mais de duas horas. 

A preparação de um atleta velocista, como Usain, é baseada em suplementos alimentares superpotentes e em alta concentração, à espera de alguns segundos que decidirão sua vida. Já um maratonista baseia-se em uma alimentação balanceada, em longos e estafantes treinos, em que a paciência e a resistência a horas de prova decidem quem suportará o cansaço e cruzará a linha final. 

Também fisicamente os atletas de corrida curta são o inverso dos corredores de maratona. Os primeiros são fortes, musculosos, “atemorizantes”. Os maratonistas são magrinhos, aparentemente frágeis e “subnutridos”. 

Mas o que tem isso a ver com a caminha cristã? 

Bem, Paulo, em diversas cartas às igrejas, utilizou metáforas para se fazer melhor entendido. Jesus também se utilizou muito desse recurso. Em Hb 12:1-2, o apóstolo usa a corrida, que genialmente simboliza nossa caminhada enquanto seguidor de Cristo. 

Mas não esqueça: não estamos em uma corrida de cem metros, mas em uma maratona! Ou seja: ao largarmos, não precisamos ter a explosão muscular de Usain Bolt, que em um segundo já decidiu a parada! Os maratonistas largam com calma e em ritmo compassado. E assim devemos fazer.

Quem quer nos primeiros metros vencer uma corrida longa, logo desfalece. Tenho muito a aprender enquanto humano-cristão. Há aprendizados que nunca assimilarei estudando ou teorizando, apenas vivendo. Afinal, a experiência tem qualidades que só ela tem! E não adianta querer viver tudo de uma só vez, como se pudéssemos enrolar o rolo de nossa história pessoal e fazer um “supletivo” de décadas em meses.

Como se diz, devemos viver um dia de cada vez. Quem vê uma fruta não compreende o milagre da criação da mesma forma que o agricultor que cuidou da semente, levantou cedo para preparar o solo, plantou, vigiou, rezou pra chover e colheu. 

Da mesma forma, é comum que simplesmente desistamos de nós mesmos, de tanto tentar mudar nossas falhas de caráter e não conseguirmos. De tanto tentar sermos bons aos olhos de Deus e dos outros e esbarramos em um alto padrão (que por vezes nós mesmos criamos). De tanto sonhar em fazer o bem e mesmo assim planejar o mal. 

Mas a maratona é longa. Não preciso estar em todo o percurso totalmente absorto psicologicamente como se tudo se resumisse a cem metros, pois enlouqueceria. Ao contrário: não perderei a corrida se, no percurso, tristezas me abaterem, pois tenho tempo para me recuperar.

Quando tropeçar em algum buraco (e sei que vou tropeçar!), cansar em uma ladeira ou entrar na rua errada, posso desfalecer a face e o tronco, pois sei que no fim das contas todos tropeçam e meu fim não está decretado. E posso me erguer. É que as forças dAquele que me sustenta se revigora todos os dias (ou em todas as esquinas), mesmo que o cansaço turve essa consciência). 

Na maratona da vida, não preciso enlouquecer pelos detalhes. Vale mais ser constante. Não constantemente perfeito, mas estar constantemente na corrida. Não desistir. Pode acreditar: permanecer é um grande feito. Talvez você diga que já parou. Cansou e sentou à beira da estrada. Sendo sincero: se você estivesse disputando os cem metros rasos, já estaria perdido.

Mas, se você já assistiu a uma maratona, percebeu que alguns atletas param no meio do caminho! Não para desistir, mas para descansar. E tomam água! E isotônicos! E voltam para a corrida. Nada mais normal. A corrida não acabou. 

Sei que nem sempre minhas passadas como cristão são firmes e largas. Às vezes, parecem mais um “moonwalk”. Minha respiração nem sempre é compassada. Chego a perder o fôlego. Mas ainda estou correndo. Tento respeitar o meu ritmo, a minha “fisiologia física, mental e espiritual” e continuo. Sei que Deus me aceita, com o ritmo que consigo imprimir à minha marcha. 

Quando paro e sento em uma calçada para descansar um pouco, olho para a pista e reflito, vendo muitos correndo, o quanto essa maratona acolhe tanta gente diferente. É a graça, de que tanto se fala. Nos cem metros, todos os competidores são de alto nível.

Na maratona cristã, alguns participam apenas pela festa, pelo movimento. Outros nem entendem ainda porque estão correndo. Outros querem apenas aparecer, tanto que vão fantasiados de tudo o que se imagina! 

Muitos não conseguem correr porque insistem em cumular gordura: uma espécie de auto-suficiência de quem quer ter sempre uma reserva ao alcance, para não passar privações. Mas os que realmente entendem o que significa a corrida são magros e frágeis por opção: reconhecem que não há neles reserva de energia capaz de supri-los por toda a corrida e fazem questão de depender do suprimento dado aos atletas ao longo de todo o percurso, pois é o alimento adequado e suficiente.

E eles não sucumbem, apesar de tudo, assim como não sucumbem as aves do céu, conforme o Doador de águas, isotônicos e sementes prometeu um dia. 

Então percebo outra dádiva da maratona: correr em equipe. Os maratonistas não correm cada um por si, como nos cem metros rasos. Largam em comboio e seguem em pequenos blocos, compartilhando estratégias, dividindo suprimentos e mantendo a sensação e a certeza de que uma corrida tão longa se torna bem menos estressante se temos alguns fiéis companheiros ao nosso lado. 

Quando caímos, eles são até capazes de interromper por um momento suas corridas para nos dar uma mãozinha. De vez em quando dá até pra arriscar uma piada, mesmo que gestual, afinal de contas a vida não é um tratado! É assim que o bom maratonista não se sente sozinho. É a comunhão, de que tanto precisamos. 

Na beira da pista de maratona, a multidão se aglomera. Seria a “tão grande nuvem de testemunhas que no rodeia”, de Hb12:1?. Ouvimos vaias: “Você não tem capacidade ... não vai conseguir ... a corrida é muito longa”, mas também incentivos que cobrem todas as vaias: “Este é o meu filho amado, em quem tenho prazer”. 

Mas nenhuma constatação sobre nossa maratona é melhor do que esta: para correr, não precisa ser profissional, basta querer. Também não precisa chegar em primeiro. Basta chegar.

O amor de Quem nos espera na linha final (que é o Mesmo a nos incentivar em todo o percurso) abraçará tanto o primeiro como o último a chegar, dando-nos a recompensa por tudo o que fizemos: não desistir, como Ele não desistirá de, pacientemente, nos esperar. 

Não precisamos ser Usain Bolt’s. Não conseguiremos ser perfeitos, mas não podemos abandonar a pista. Sei que quando o sol está escaldante, chegamos a ver miragens, e nessa hora é difícil entender que não corremos abandonados. Mas Ele está permanentemente zelando por nós, cuidando para que não falte o essencial ao corredor. 

Lembra de quando você estava naquela subida sem fim e pensou seriamente em desistir? Lembra também que logo à frente, no limite de suas forças, surgiu inesperadamente um desvio na rota da prova, que de forma milagrosa levou você a uma descida, trazendo um novo alento? Adivinha quem providenciou aquela descida... Foi Ele mesmo. 

É que Ele tem a sensibilidade de quem sabe como a corrida é dura. Afinal, a via crucis até o calvário foi bem mais uma maratona que uma corrida de cem metros. Ele suportou a cruz, desprezando toda a afronta, por isso somos alentados a olhar para Ele e ser gerada e consumada em nós um fé capaz de nos fazer sonhar com o gozo que nos está proposto.

Usain Bolt não suportaria a via dolorosa, é certo. Mas Ele suportou, levando um fardo que era nosso e que não suportaríamos carregar pelas ruas de nossa maratona. 

Um dia então chegaremos ao final, e só ali entenderemos a razão de Ele de tal maneira nos amar, tendo tantas vezes nos apoiado, incentivado, levantado, relevado e absolvido tantas falhas repetitivas de caráter e não ter desistido de nós.

Naquele dia, ao romper a fita de chegada, desfrutaremos, mesmo sem merecer, daquilo que fará cada gota de suor terá valido a pena. Receberemos dEle o abraço que nossa alma sempre ansiou e ali, protegidos e aconchegados, simplesmente permanecermos. Um abraço longo, que durará uma eternidade. 

Sentado na calçada para escrever este texto...

2 comentários:

Tati disse...

Ai ai ai!!! Que texto profundo, meu amor! Com certeza as analogias feitas se aplicam bem à nossa vida cristã. Enquanto lia tb associei ao nosso(a) amizade/namoro/noivado/casamento: tb é uma maratona e temos Jesus como o nosso maior incentivador, que corre com a gente para nos dar força e mostrar o caminho! O percurso é longo, mas tb é recompensador! Te amo meu amor! Meu orgulho!

Xande disse...

Edilson, parabéns. Seu texto me ajuda a lembrar da grande jornada a frente até o fim o podium (que neste caso é para todos que chegarem). Na minha vida dei alguns tiros de 100, 200 e 400 depois fiquei cansado demais e tive que parar. Planejo seguir em passo econômico mas constante. Obrigado por me lembrar disto.

Por Edilson de Holanda