domingo, 8 de agosto de 2010

04:00 AM. O SEMÁFORO E A NUVEM

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Num dia desses do mês passado...

Às 4 da manhã, da janela do apartamento. Choveu há pouco. O vento frio quer enganar, me dizendo que estou na serra. Daqui de cima, visão da rua. Esquina movimentada? Todo dia, toda hora, mas não às 4 da madrugada.

Até aquele carro da Autarquia de Trânsito, que até as 21hs estava escondido atrás de um caminhão para multar os motoristas, já foi embora.

Observar o “movimento”. Foi o que me instigou a adiar o sono e vir para cá.  “Será que algo vai acontecer?”. Algum barulho diferente, alguma descoberta? Sobre mim, sobre a madrugada? Alguma reflexão, alguma resposta que procuro me será dada pelo céu, iluminará a escuridão da casa ou me transportará para algum lugar, sem que eu saia daqui?

Em tempo: não agüento por muito tempo dar uma de filósofo. E me ponho a ouvir um cd que há semanas estava pra escutar. Uma tal de Heloísa Não Sei o Quê, que parece em toda música querer se converter e nunca consegue. Pois bem. Como imaginava, o som me faz companhia e ajuda a ficar de pé por mais tempo.

Pelos telhados molhados das casas, nem os gatos se arriscam a andar. Nenhuma luz ligada nos prédios vizinhos. Pausaram o espaço e o tempo. Completamente.

Peraí. Não completamente. O semáforo na esquina prossegue trabalhando. Parece que ninguém avisou a ele que a cidade está dormindo. E ele assim permanecerá. E penso que tantas vezes fazemos o papel desse semáforo. É preciso saber o momento de pausar, entender a hora de calar, ouvir, aquietar.

Tão acostumados a se desesperar para cumprir horários, manter o ritmo e ainda dar conta da correria dos outros, como o sinal de trânsito, em certos momentos parecemos marionetes eletrônicas, nos desgastando à toa e envelhecendo rápido.

O semáforo às 04hs não tem sentido, é inócuo. Parece esperar que pare alguém à sua frente e lhe dê sentido à existência. Como muitos de nós, que passamos a vida esperando a chegada de algo que nos traga a certeza de que vale a pena mesmo estar por aqui.

Olho pras nuvens e dessa vez não encontro nenhum desenho, revelador ou exótico. Nenhuma figura, surpreendente ou imaginável. Parece que elas hoje não capricharam na arte. Será que elas também dormem?

Não. Estão passando pela minha frente. No mesmo ritmo de sempre. Que coisa! A diferença entre o semáforo e a nuvem. Como sinais de trânsito, por vezes corremos e corremos contra o vento. 30 horas por dia (não inventaram o banco 30 horas?). Até que um dia, de uma hora pra outra, pifamos. Somos imediatamente substituídos naquilo que corremos. E a vida segue...

Enquanto isso, as nuvens, lá em cima, permanecem caminhando. Se corremos ou andamos. Se gritamos ou falamos. Se esbofeteamos ou acariciamos. Elas continuam lá. Ditando o ritmo da vida que faz sentido: aquela que se presta a olhar pra cima e reconhecer que, enquanto os semáforos se atropelam, as nuvens bailam.

Não importa o que façamos. As nuvens não mudarão seu ritmo. Em meio à euforia ou ao caos, experimente olhar para cima. Você verá que as nuvens continuam caminhando, como sempre.

Sendo assim, ajustemos, então, os sinais de trânsito para correrem apenas quando for preciso, no momento certo. Até que um dia aprendamos, mesmo sem sair da Terra, a andar com a leveza de uma nuvem lá do céu.

4 comentários:

Anônimo disse...

É incrível como o escritor conseguiu trazer à tona com um texto super simples um tema tão moderno e importante...como seria bom se as pessoas se aquietassem mais nas suas rotinas, nos seus projetos, nos seus desejos e percebessem que muitas coisas podem esperar, ou até mesmo q nem são tão importantes(Eclesiastes)...Ótimo Texto!!!
Marcelo

Anônimo disse...

Meu amigo,

Estou passando por aqui só para dizer da sensibilidade do seu texto. Aprender a caminhar no ritmo certo, nem lento demais (procrastinação), nem acelerado demais (ansiedade) realmente é algo muitíssimo valioso. E como vamos conseguir ouvir Deus se estivermos correndo no ritmo dos "semáforos que se atropelam", como você diz?

Obrigada por compartilhar conosco essa sua reflexão!

Abraços

Poli

Edilson de Holanda disse...

Obrigado, meus caros...

Seus comentários são um grande estímulo...

Abraço!

Fabiana Melo disse...

Sou muito edificada com esse tipo de texto fruto de contemplação de coisas de nosso cotidiano. Elas estão sempre lá, mas falta um olhar mais sensível para poder captá-las dessa forma. Belo texto, bela reflexão e... caramba, só Deus mesmo pra revelar essas coisas.

Por Edilson de Holanda