quarta-feira, 2 de junho de 2010

PALAVRAS DE ALGUÉM QUE JÁ SE FOI

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Há palavras que não teriam a mesma força se seu autor não estivesse agora morto. É o que ocorre com este texto de Allison Ambrosio: 

“DEVANEANDO... 

Às vezes entro em crise comigo mesmo. Não sei se estou sendo firme o bastante ou medroso o suficiente para celebrar a minha condição de humano, limitado e assustado com a vida, tanto quanto qualquer um. Acho angustiante ser certinho o tempo todo, controlando o que me habita, que nem chega perto disso. É ruim desempenhar papéis que não são meus, que não me cabem, a não ser que eu subjugue totalmente o que gostaria de fazer [... ... ...]

Dá vontade de puxar a corda do bonde, fazendo suas rodas soltarem faíscas na frenagem repentina. Enquanto todos no vagão se reequilibravam zonzos, em suas primeiras cenas de retorno me veriam descer da composição, ladeira abaixo – ou acima – em direção aos meus sonhos, enfartados por uma porção de coisas que não pedi para que me responsabilizassem. 

Vejo o tempo escapando por entre os meus dedos e isso me abate a alma. Ergo-me da cama assustado: ‘meu Deus, mais um dia se passou, colocando-me a menos um do meu fim. Quem irá cuidar da minha poesia? Quem vai cantar minhas canções quando eu me for? Quem vai traduzir corretamente tudo o que significou esse saco de ossos, nervos e veias que atendia pelo meu nome quando chamado?’ 

Uma faísca de esperança nasce teimosa, lá no último cômodo da minha alma. Um vento qualquer e travesso pode apagá-la, tão frágil e delicada é sua chama. Não me provoquem! Posso apertá-la entre os dedos, sentindo a dor derradeira de sua queimadura quase insignificante. Depois, ergo-me e vou por aí... Procurando alguma poesia, escondida num canto qualquer e esperando por alguém tão desatento quanto eu, que nela esbarre sem querer..."

Allison Ambrósio 

Fonte: http://www.paraquemtemaalmagrande.blogspot.com/

Então reflito: estou fazendo o que deveria, no sentido de dar à minha vida todo o significado que ela pode ter? Tenho coragem para assumir os riscos de viver para além da mediocridade? Posso dizer que o meu ontem foi vivido como deveria? E o meu hoje? Tudo o que sou tem se traduzido em um legado? A quantas anda minha esperança?

Antes que alguém interprete erradamente que estou criticando o autor do texto, ao contrário: ele parecia ter a exata noção desses questionamentos. Por isso escreveu. E o que pareceria um devaneio, como o próprio título sugere, trata-se de um preciso e lúcido lampejo de uma decisiva reflexão. Decisiva para quem encara realizá-la.

Eis, assim, o grande desafio: fazer a vida valer a pena. Viver de modo a não se arrepender. Dar a cada momento o significado que ele tem. Se não tenho a poltrona para sentar, que bom ter alguém que sente no chão comigo. Se não posso comprar caviar, que bom o franguinho assado que mata a minha fome.

Até quando vamos esperar por acontecimentos extraordinários para, a partir daí, nos considerarmos pessoas felizes? Pelo que estamos esperando? Lembre que você tem hoje o que há cinco anos imaginava ser o suficiente para lhe fazer feliz – ou pelo menos satisfeito.   

Chegado o grande momento, você agora tem outras angústias, outros desejos, outros anseios que lhe tomam o sono e lhe causam as primeiras rugas. 

E continua imaginando que quando resolvê-los, finalmente estará pleno. Não tenhamos essa amarga ilusão. A partir de quando vamos entender que, venham ou não as grandes conquistas, o momento é agora? Só nos resta o agora.

Cometemos o erro de vivermos aqui como se nunca fôssemos morrer (erro que o Allison, a julgar pela profunda reflexão do texto, parecia não cometer), como se tentássemos juntar reservas pra viver bem por séculos - como se a vida eterna fosse esta - enquanto que a qualquer momento nada poderá mais fazer sentido algum, quando a morte chegar.

E quando ela chega, absolutamente nada do que foi acumulado (principalmente títulos, bens, dinheiro, status) servirá para quem parte.

Resta-nos viver cada dia da forma mais intensa possível, sem reservas, sem medos bobos. A maioria das coisas as quais tememos nunca acontecerão. E morreremos, talvez, de uma hora pra outra...

Passamos a maior parte da vida preocupados com o dia seguinte. E a mulher não comeu aquele brigadeiro para não engordar, o homem não gritou aquele “eu te amo” com medo de parecer inadequado, o jovem não trabalhou no que queria para poder fazer um curso que “desse dinheiro”, o agora velho não correu atrás dos sonhos porque eles pareciam extravagantes e as pessoas não viveram o que gostariam, com medo de morrer.

Talvez o segredo de viver seja exatamente não ter medo de morrer. Até que, quando o fim chegue, pensemos: “Fiz tudo o que deveria. Eu era feliz e sabia”. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Edilson, muito lúcidos os textos (o seu e o do Pr. Allison). Mais uma reflexão necessária nesse mundo que não nos deixa tempo para pensar sobre o que realmente importa nessa vida.

Obrigada!
Poliana

Por Edilson de Holanda